Porque grandes histórias mudam o mundo
Escolhemos todos os meses leituras que nos fazem refletir, que nos ensinam, divirtem mas, acima de tudo, que elevam as vozes das mulheres. Acreditamos no poder dos livros para nos ensinar sobre o mundo através das histórias.








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A Inconstante
Clássico / autora francesa /auto-ficção
Este romance que pode ser considerado um clássico é fascinante por vários motivos: é inspirado na própria vida da autora que, na altura em que foi publicado, em 1903, ela fê-lo sob um pseudónimo masculino, apesar do seu nome já ser bastante conhecido nos circuitos literários franceses da época — filha de um pai escritor famoso e casada com Henri de Régnier, considerado um dos maiores poetas franceses do século XX; este livro foi ousado porque retrata uma mulher casada que trai o marido sem remorsos em busca do amor, tema escandaloso do ponto de vista da moral dominante da época; e foi uma provocação para um dos seus amantes e o seu maior amor, o também escritor Pierre Louÿs, tendo escrito este livro que expõe a relação deles e que ele odiou e considerou uma vingança pessoal. Comecei a ler por curiosidade e não consegui parar, é uma viagem intemporal e que nos traz personagens que se dedicam ao epicurismo e à busca pela felicidade plena sem olhar a meios e que, 120 anos depois, continua a ressoar com as leitoras de hoje, quer pela ruptura com os valores sociais, rejeitando as imposições do casamento, como por uma narrativa empolgante, deliciosa e intimista. O marido mais tarde escreveria um livro sobre ela, onde a expõe como uma mulher terrível, e há um filme francês Curiosa que é um retrato biográfico da autora e acaba por ser a história deste livro. Uma leitura que nos traz o espírito da Belle Époque e a liberdade que as mulheres procuraram — e continuam a procurar. Leiam, leiam!

Marie de Régnier (1875-1963) foi uma poeta e romancista francesa. A sua obra poderosa e libertária foi parcialmente abafada pela sua vida escandalosa, para os padrões da época. Publicou cerca de 40 livros e foi a única mulher até hoje a receber o Grande Prémio de Literatura e o Grande Prémio de Poesia da Academia Francesa.
Sociopata
Não-ficção / saúde mental
Gostei muito desta autobiografia e deixou-me presa nas reflexões da autora até ao final onde ela nos apresenta um relato sincero e pessoal das suas próprias experiências ao viver com sociopatia, proporcionando uma visão rara da mente de alguém que luta contra uma condição frequentemente envolta em estigma e incompreensão. Enquanto leitora leiga neste tema, o termo sociopata cria algum desconforto, é certo, e li uma crítica de um especialista que dizia que o transtorno de personalidade anti-social anda de mãos dadas com o transtorno de personalidade limítrofe e o narcisista, e que há muitos espectros e características de cada um deles e podem ser manifestados numa única personalidade, que talvez seja o caso da autora que também aborda a alexitimia (não sentir emoções) e a não compreensão das regras sociais, particularmente comuns no autismo. No entanto, nada disto tira poder ao livro porque apesar das polémicas que se geraram em torno da veracidade do que a autora alega, continua a ser uma leitura fascinante, crua e franca sobre os desafios e as complexidades de lidar com coisas tão banais para os outros como as relações, as normas sociais e a própria moralidade, que ela cresceu a não ter, relatando-nos episódios da infância com uma vulnerabilidade que nos toca. É também um testemunho profundamente corajoso e importante, cria empatia relativamente à saúde mental e oferece esperança para que estes temas sejam melhor compreendidos na nossa sociedade. Adorei e vou recomendar muito.

Patric Gagne formou-se em psicologia e a sua tese, que estudou a relação entre a sociopatia e a ansiedade, serviu de ponto de partida para o seu livro de memórias Sociopata. Hoje trabalha com psicopatia e luta para que haja um diálogo mais aberto sobre estas doenças frequentemente estigmatizadas.
Gotas no Charco
Não-ficção / autora portuguesa
"O amor é a minha rampa invisível sempre que me aparecem à frente umas escadas de ignorância", diz Mafalda Ribeiro, e o amor devia ser a rampa invisível de todos nós na vida. Neste livro, a Mafalda leva-nos numa reflexão sobre a vida, a liberdade, a deficiência, o luto, a alegria, a amizade e a forma como encaramos o nosso corpo e as nossas limitações. Quando conheci a Mafalda no início deste ano e ela me deu este seu livro, tive o privilégio de, à medida que fui lendo, fui também conhecendo o ser humano real (e não apenas literário) e as histórias reais por detrás das reflexões que ela colocou no papel. Nos últimos meses falámos praticamente todos os dias e partilhámos histórias e experiências que têm mudado a forma como eu própria me vejo no mundo. Sendo eu uma pessoa com queda para a depressão, a Mafalda é uma pessoa com queda para a euforia (este nosso desequilíbrio tem-se mostrado bastante harmonioso) e nunca perder o entusiasmo pela vida e olhar para os outros com empatia é a grande mensagem deste livro que deveria ser de leitura obrigatória nas escolas e em todo o lado. Dividido em sete temas — Ligação, Esperança, Liberdade, Consistência, Gratidão, Aceitação e Entusiasmo —, é uma viagem emocionante sobre a forma como a Mafalda vê e quer ser vista neste mundo que, afinal, é também a forma como todos queremos ver e ser vistos, sendo uma leitura universal, ecuménica e um exercício sobre como viver a nossa liberdade. O dia 3 de Dezembro marca o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência e achei que era o mês perfeito para vos trazer esta leitura e falar-vos de quão impactante foi para mim e tenho a certeza que também o será para vocês.

Mafalda Ribeiro estudou jornalismo e passou a fazer das palavras a sua vida. Convive com a doença rara congénita Osteogénese Imperfeita e desloca-se em cadeira de rodas desde sempre, é autora, cronista, palestrante e consultora de diversidade & inclusão para a deficiência.
Place Brugmann, 33
ficção histórica / II Guerra Mundial
Este foi um daqueles livros que, no mês em que saiu, havia tantas novidades que o deixei de lado para ler mais tarde, mas que sabia que iria gostar porque tem como base uma das minhas coisas favoritas e sobre a qual já vos falei inúmeras vezes — pequenas comunidades e a forma como nos salvamos uns aos outros. E quando o li fui arrebatada por estas personagens e pelas suas ligações uns com os outros e soube logo que em Dezembro iria repescá-lo. Esta leitura traz-nos um tema já muito explorado, a II Guerra Mundial, mas pelos olhos dos residentes de longa data de um prédio na Bélgica, onde conhecemos as vidas de cada um e, à medida que a guerra vai crescendo, a narrativa mergulha nas dificuldades da fome, da perda, da dor, mas também nos pequenos e significativos atos corajosos de resistência. Os diversos narradores criam uma rica tapeçaria da forma como cada um vive a dura realidade da guerra, mas também um retrato de coragem, comunidade e esperança. Uma das coisas que mais senti com este livro é que é uma reflexão importante sobre História, naquela altura ninguém acreditava que uma I Guerra Mundial se iria repetir, os residentes questionam-se e duvidam do futuro, estarão seguros ali?, será que pode mesmo acontecer outra guerra?, porque é que de repente as pessoas desconfiam dos judeus?, será que aquele líder alemão é mesmo uma ameaça?, devemos fazer alguma coisa ou ignorar porque esta loucura toda irá acabar? É impossível ler estas reflexões sem pensarmos nos acontecimentos atuais no mundo de hoje e se a História se irá repetir. Há amor e traição, esperança e medo, arte e filosofia, claustrofobia e alguns momentos horripilantes, tudo isso contribui para que esta seja uma leitura absolutamente arrebatadora e envolvente. Uma das melhores do ano!

Alice Austen estudou escrita criativa em Harvard e mudou-se depois para Bruxelas, onde viveu precisamente no Place Brugmann 33 e fez amizade com os moradores mais velhos, incluindo um intrépido ex-combatente da Resistência Belga. Foi aqui que a semente para o seu romance de estreia começou a germinar.
Não há tantos Homens Ricos como Mulheres Bonitas que os Mereçam
Autora portuguesa / contemporâneo / Jane Austen
Quando conheci a Helena Vasconcelos há uns meses num evento, falámos sobre feminismo e escrita e o quão difícil é ser uma mulher escritora em Portugal e ela disse-me que tinha alguns livros publicados e quando me disse este título, tive a certeza de que o tinha em casa, o que se veio a verificar ser verdade. Tinha-o comprado há uns anos porque achei piada ao título, mas acabou arrumado numa estante porque infelizmente há muita coisa boa que compro e só leio muito tempo depois e há que fazer as pazes com isso, lemos os livros certos no momento certo. E claro que peguei logo nesta leitura e foi uma viagem surpreendente. A Helena Vasconcelos é uma profunda conhecedora da obra de Jane Austen e este romance publicado em 2016 faz um paralelismo entre as heroínas de Austen e a heroína contemporânea, a personagem da Ana Teresa, a insatisfação, o não saber muito bem o seu lugar no mundo, as relações disfuncionais com a família, a busca pela felicidade, por um propósito, por sentir que está a fazer alguma coisa de útil e, ao longo da narrativa, as experiências da Ana Teresa mesclam-se com as personagens de Jane Austen numa crítica intemporal — a que a vida de uma mulher sem um homem e sem filhos é vazia. E tal como a obra de Jane Austen, também este livro é uma divertida sátira de costumes através das vivências da protagonista e das mulheres que a rodeiam, com foco nos temas que são abordados nas entrelinhas. Este é um romance que nos traz várias histórias paralelas e todas elas são intercaladas com reflexões sobre a vida e obra de Austen, o que na verdade me fez gostar ainda mais do romance que mistura ficção com ensaio literário. Que livro bom & que merece uma nova vida!
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Helena Vasconcelos é escritora, crítica literária, coordenou várias comunidades de leitura e escreve para vários jornais e revistas há mais de vinte anos. Tem vários livros publicados e este ano lançou um não-ficção sobre a sua vida com o artista plástico Julião Sarmento durante os anos 70 e 80.
Caruncho
Autora espanhola / terror psicológico
Depois de tanta gente me recomendar Caruncho, acabei por ler há umas semanas e, quando terminei, nem sabia muito bem como classificar este leitura, só sei que não me saiu da cabeça. Eu venho de uma família com raízes em várias zonas do Norte e com muitas histórias sobrenaturais que sempre ouvi desde criança. Daí que, ao ler este livro de terror psicológico, que a autora diz que é inspirado na história da sua família, mergulhei profundamente nesta história e na narrativa que ela nos quer contar. As narradoras são uma avó e uma neta e a casa, eu diria que a casa em si é também um narrador silencioso, as sombras da casa, as vozes da casa, os traumas da casa, os mortos da casa. É através delas as duas que conhecemos aquela família no interior rural de Espanha desde a construção da casa e as suas raízes, reais e metafóricas porque a casa tem uma força obscura e perversa, que está viva, que ruge, que sente, que se move e que sussurra nas sombras. A avó conta-nos a história das mulheres antes dela, a neta cria o desfecho, vingando a própria mãe e a avó e a bisavó e todas as mulheres que sofrem às mãos dos homens. É uma história inquietante que nos faz questionar o que estamos a ler, há fantasmas, há santos, há rancor, há orações, há bruxaria, há misoginia, há violência, há pobreza, há diferenças de classes, há superstições, há muitos elementos, mas todos se encaixam perfeitamente nesta história que consegue mexer com as nossas emoções e os nossos sentidos. Uma leitura diferente de tudo o que li este ano e que, claro, tinha de figurar no Book Gang. Recomendo muito, muito, muito!















